sexta-feira, 16 de janeiro de 2009


PESADELO EM GAZA

(Noam Chomsky, do The New York Times Syndicate)
No momento em que isto é escrito, à medida que prossegue o violento ataque de Israel a Gaza e o terror se aprofunda e se torna mais sangrento, as perspectivas de uma solução digna se dissipam entre os gritos dos feridos, dos moribundos e dos enlutados.
O ataque mais recente a Gaza começou com a violação de Israel de um cessar-fogo em 4 de novembro, enquanto eleitores americanos iam às urnas eleger Barack Obama, depois irrompeu em plena fúria no dia 27 de dezembro.
A resposta de Obama a esses crimes tem sido o silêncio - ao contrário, por exemplo, dos ataques terroristas em Mumbai, os quais ele foi rápido em denunciar, juntamente com a "odiosa ideologia" que está por trás. No caso de Gaza, os porta-vozes de Obama se esconderam por trás do mantra "há somente um presidente por vez" e repetiram o seu apoio a ações israelenses quando ele visitou a cidade israelense de Sderot em Julho: "Se alguém estava enviando foguetes para minha casa, onde minhas duas filhas dormem à noite, eu vou fazer tudo em meu poder para impedir".
Mas ele aparentemente não vai fazer nada, nem mesmo uma declaração, quando jatos e helicópteros americanos com pilotos israelenses estão causando um sofrimento incomparavelmente maior a crianças palestinas.
Uma voz de presidente deveria se fazer ouvir, pelo menos como uma resposta moral e uma chamada para cessar os crimes e auxiliar os esforços humanitários. Israel não pode agir de forma independente de seu principal aliado, partidário e capacitador. O derramamento de sangue em Gaza também está nas mãos dos Estados Unidos. Essa voz também poderá indicar se o apoio de linha dura de Washington às ações de Israel poderá amolecer depois de décadas.
Durante a campanha, houve boatos de que Obama poderia se afastar do rejeicionismo que há muito tem sido um obstáculo principal para um legítimo acordo de dois estados, um estado palestino independente co-existindo com Israel. Este é o antigo consenso internacional que os Estados Unidos e Israel vêm bloqueando praticamente em isolamento há mais de 30 anos, com afastamentos raros e temporários. De resto, o consenso é apoiado pelo mundo inteiro, incluindo a maioria da população americana. No entanto, o histórico de Obama não oferece base para que se levem os boatos a sério.
Como assistente especial no Oriente Médio, Obama escolheu Daniel C. Kurtzer, o embaixador das administrações Clinton e Bush no Egito e em Israel. Kurtzer participou na redação do discurso de Obama na organização israelense de lobby AIPAC em Washington em Junho. O notável texto foi muito além do Presidente Bush em seu servilismo, chegando a declarar que "Jerusalém permanecerá a capital de Israel e não deve ser dividida" - uma posição tão extrema que sua campanha teve que explicar que suas palavras não queriam dizer o que ele afirmou. E Kurtzer é uma das opções mais moderadas de Obama na região.
O presidente israelense Shimon Peres informou à imprensa que, em sua visita a Israel em julho, Obama havia dito estar "muito impressionado" com a Proposta da Liga Árabe, que pede a total normalização das relações com Israel. Isso vai mesmo além de um consenso sobre um acordo de dois estados. (O próprio Peres nunca aceitou o consenso. Com efeito, em seus últimos dias como primeiro ministro em 1996, ele defendeu que nunca deveria existir um estado palestino).
Os comentários de Obama podem sugerir uma significativa mudança de posição, exceto pelo fato de que, na mesma viagem, conforme relatado pelo líder israelense de direita Benjamin Netanyahu, Obama lhe havia dito que estava "muito impressionado" com o plano de Netanyahu, o qual preconiza um controle de Israel sobre os territórios ocupados por tempo indeterminado.
O paradoxo é resolvido de forma plausível pelo analista político israelense Aluf Benn, que observa que "o principal objetivo" de Obama "não era atrapalhar ou enraivecer ninguém. Presumivelmente ele foi educado e falou a seus anfitriões que suas propostas eram 'muito interessantes' - então eles saem satisfeitos e ele não prometeu nada." É compreensível, mas não nos deixa nada exceto as fervorosas declarações de amor de Obama por Israel e desconsideração dos interesses palestinos.
Obama há muito apoia o "Direito de Autodefesa" de Israel e seu "direito de proteger seus cidadãos." Em 2006, quando Israel invadiu o Líbano com apoio dos Estados Unidos, Obama foi o co-patrocinador de "uma resolução do senado contra o envolvimento do Irã e da Síria na guerra, e insistindo que Israel não deveria ser pressionada para aceitar um cessar-fogo que não lidava com a ameaça dos mísseis de Hezbollah", de acordo com o seu site de campanha. A invasão do Líbano, a quinta de Israel, matou mais de mil libaneses e mais uma vez destruiu boa parte do sul do Líbano e partes de Beirute.
Essa vem a ser a única menção do Líbano entre questões de política externa no site de Obama. Evidentemente, o Líbano não tem direito de autodefesa. Na verdade, quem poderia ter direito de autodefesa contra os Estados Unidos ou seus clientes?
A invasão de Gaza é o mais recente episódio trágico que se segue a uma eleição palestina democrática e pacífica em janeiro de 2006, cuidadosamente monitorada e declarada livre e justa por observadores internacionais. Mas os palestinos votaram em Hamas, apesar de esforços americanos e israelenses em favor do Presidente Mahmoud Abbas, autoridade palestina e seu partido Fatah. Aqueles que desobedecem ao mestre devem sofrer por esse delito.
A punição dos palestinos por votar de forma errada começou imediatamente e está se tornando cada vez mais severa. Com apoio americano, Israel adentrou com sua violência em Gaza, sequestrou boa parte das lideranças eleitas, apertou o cerco com firmeza e até mesmo cortou o fluxo de água para a Faixa de gaza. Os Estados Unidos e Israel asseguraram-se de que o governo eleito não teria chance de funcionar.
Mesmo quando Israel aceitou um cessar-fogo, como fez em junho de 2008, instantaneamente o violou, mantendo o seu cerco (um ato de guerra) e impedindo a UNRWA, uma agência da ONU que mantém palestinos vivos, de repor seus estoques. "Quando o cessar-fogo foi quebrado (no dia 4 de novembro), ficamos sem comida para os 750 mil que dependem de nós" informou à BBC o diretor da UNRWA em Gaza, John Ging.
Nas semanas seguintes, o bloqueio foi aumentado ainda mais, com consequências desastrosas para a população. A violência cresceu dos dois lados (todas as mortes foram palestinas), até que o cessar-fogo se encerrou formalmente no dia 19 de dezembro e o Primeiro Ministro Ehud Olmert autorizou a invasão total.
Hoje em Gaza, primeiro a matança tem que cessar. A pressão internacional provavelmente levará a um cessar-fogo. Obama poderão então tomar posse, antes que Gaza e seu povo sejam destruídos.
Em meio a mais um pesadelo em Gaza, a esperança de um acordo de dois estados em Israel-Palestina, de acordo com o consenso internacional, parece quase inimaginável. No entanto ele já chegou perto uma vez antes, durante o último mês de presidência de Bill Clinton. Em janeiro 2001 - não há tanto tempo assim - os Estados Unidos deram seu apoio às negociações em Taba, Egito, que quase chegaram a um acordo antes de terem sido canceladas pelo Primeiro Ministro israelense Ehud Barak. Um elemento crucial era a disposição do presidente americano de considerar essa possibilidade.

(Noam Chomsky é professor emérito de lingüística e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, Massachusetts).

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