domingo, 1 de março de 2009


CANÇÃO DE MIM MESMO

(SONG OF MYSELF)

(fragmentos de um dos belos poemas
de Walt Whitman, o Poeta dos Poetas)

1

EU CELEBRO a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você.

Vadio e convido minha alma,
Me deito e vadio à vontade...
observando uma lâmina de grama do verão.

Delícia de estar só ou no agito das ruas
ou pelos campos e encostas de colina,
Sensação de bem-estar ... apito do meio-dia...
a canção de mim mesmo se erguendo
da cama e cruzando com o sol.

Uma criança disse - O que é a relva?
trazendo um tufo em suas mãos;
O que dizer a ela?...sei tanto quanto ela o que é a relva.
Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito,
tecida de uma substância de esperança verde.
Vai ver é o lenço do Senhor,
Um presente perfumado e o lembrete derrubado por querer,
Com o nome do dono bordado num canto,
pra que possamos ver e examinar, e dizer
É seu?

2

Com música forte eu venho,
com minhas cornetas e meus tambores:
não toco hinos
só para os vencedores consagrados,
toco hinos também
para as pessoas batidas e assassinadas.

Vocês já ouviram dizer
que ganhar o dia é bom?

Pois eu digo que é bom também perder:
batalhas são perdidas
com o mesmo espírito
com que são ganhas.

Eu rufo e bato o tambor pelos mortos
e sopro nas minhas embocaduras
o que de mais alto e mais jubiloso
posso por eles.

Vivas àqueles que levaram a pior!
E àqueles cujos navios de guerra
afundaram no mar!
E a todos os generais
das estratégias perdidas,
que foram todos heróis!
E ao sem número dos heróis maiores
que se conhecem!

3

Quem é que vai por aí
aflito, místico, nú?
Como é que eu tiro energia
da carne de boi que como?

O que é um homem, enfim?
O que é que eu sou?
O que é que vocês são?

Tudo o que eu digo que é meu,
vocês podem dizer que é de vocês:
de outro modo, escutar-me
seria perder tempo.

Não ando pelo mundo a lastimar
o que o mundo lastima em demasia:
que os meses sejam de vácuo
e o chão seja de lama
e podridão.

A gemer e acovardar-se,
cheio de pós para inválidos,
o conformismo pode ficar bem
para os de quarta categoria;
eu ponho o meu chapéu como bem quero,
dentro ou fora de portas.

Por que iria eu rezar?
Por que haveria eu de me curvar
e fazer rapapés?

Tendo até os estratos perquirido,
analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores
e feito os cálculos apropriados,
eu não encontro gordura mais doce
do que a inserida em meus próprios ossos.

Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem mais nem menos um grão de mostarda,
e o bem ou mal que falo de mim mesmo
falo dela também.

Sei que sou sólido e são,
para mim num permanente fluir
convergem os objetos do universo;
todos estão escritos para mim
e eu tenho de saber o que significa
o que está escrito.

Sei que sou imortal,
sei que esta minha órbita não pode
ser traçada
pelo compasso de um carpinteiro qualquer.
Sei que não passarei
assim que nem verruga de criança
que à noite se remove
com um alfinete flambado.

Eu sei que sou majestoso,
não vou tirar a paz do meu espírito
para mostrar quanto valho
ou para ser compreendido:
tenho visto que as leis elementares
jamais pedem desculpas.
(Eu reconheço que afinal de contas,
não levo meu orgulho
além do nível a que levo a minha casa.)

Existo como sou,
isso é o que basta:
se ninguém mais no mundo
toma conhecimento,
eu me sento contente;
e se cada um e todos
tomam conhecimento,
eu contente me sento.

Existe um mundo
que toma conhecimento,
e este é o maior para mim:
o mundo de mim mesmo.
Se a mim mesmo eu chegar hoje,
daqui a dez mil ou dez milhões de anos,
posso alcançá-lo agora bem-disposto
ou posso bem-disposto espetar mais.

O lugar de meus pés
está lavrado e ajustado em granito:
rio-me do que dizem ser dissolução
– conheço bem a amplitude do tempo.

4


O blablablá das ruas... rodas de carros
e o baque das botas e papos dos pedestres,
O ônibus pesado, o cobrador de polegar interrogativo,
o tinir das ferraduras dos cavalos no chão de granito.
O carnaval de trenós, o retinir de
piadas berradas e guerras de bolas de neve;
Os gritos de urra aos preferidos do povo...
o tumulto da multidão furiosa,
O ruflar das cortinas da liteira - dentro
um doente a caminho do hospital,
O confronto de inimigos, súbito insulto, socos e quedas,
A multidão excitada - o policial e sua estrela apressado
forçando passagem até o centro da multidão;
As pedras impassíveis levando e devolvendo tantos ecos,
As almas se movendo... será que são invisíveis
enquanto o mínimo átomo é visível ?
Que gemidos de glutões ou famintos que esmorecem
e desmaiam de insolação ou de surtos,
Que gritos de grávidas pegas de surpresa,
correndo pra casa pra parir,
Que fala sepulta e viva vibra sempre aqui...
quantos uivos reprimidos pelo decoro,
Prisões de criminosos, truques, propostas indecentes,
consentimentos, rejeições de lábios convexos,
Estou atento a tudo e as suas ressonâncias...
estou sempre chegando.

5

Eu sou o poeta do corpo
e sou o poeta da alma,
as delícias do céu
estão em mim
e os horrores do inferno
estão em mim
– o primeiro eu enxerto
e amplio ao meu redor,
o segundo eu traduzo
em nova língua.

Eu sou o poeta da mulher
tanto quanto o do homem
e digo que tanta grandeza existe
no ser mulher
quanta no ser homem,
e digo que não há nada maior
do que uma mãe de homens.

Canto o cântico da expansão e orgulho:
já temos tido o bastante
em esquivanças e súplicas,
eu mostro que tamanho
nada mais é do que desenvolvimento.

você já passou os outros,
já chegou a Presidente?
É pouco: até aí hão de chegar
e irão ainda mais longe.

Eu sou aquele que vai com a noite
tenra e crescente,
e invoco a terra e o mar
que a noite leva pela metade.
Aperte mais, noite de peito nu!
Aperte mais, noite nutriz magnética!
Noite dos ventos do sul,
noite das poucas estrelas grandes!
Noite silenciosa que me acena
– alucinada noite nua de verão!

Sorria, ó terra cheia de volúpia,
de hálito frio!
Terra das árvores líquidas e dormentes!
Terra em que o sol se põe longe,
terra dos montes cobertos de névoa!
Terra do vítreo gotejar da lua cheia
apenas tinta de azul!
Terra do brilho e sombrio encontro
nas enchentes do rio!
Terra do cinza límpido das nuvens,
por meu gosto mais claras e brilhantes!
Terra que faz a curva bem distante,
rica terra de macieiras em flor!
Sorria: o seu amante vem chegando!

Pródiga, amor você tem dado a mim:
o que eu dou a você, por tanto, é amor
– indizível e apaixonado amor!

(Walt Whitman - Song of Myself/ tradução Geir Campos)

Um comentário:

Adriana disse...

Não há o que comentar sobre esse poema, ele por si só já diz muito...só tenho que agradecer pelo presente que ofereceu a seus leitores meu querido

Obrigada!!!